Interfaces entre Psicologia e Cirurgia de
Cabeça e Pescoço
Numa perspectiva histórica, os primeiros vestígios encontrados de tumores
ósseos foram em fósseis de até 8.000 a.C., tanto em animais como em
humanos. Isto demonstra o quanto o câncer é uma doença antiga. A
denominação foi dada por Hipócrates, considerado pai da medicina, o
qual viveu no período de 460 a 377 a.C. No Brasil, deram início ao
diagnóstico e tratamento do câncer nos primeiros anos do século XX
(FERNANDES JR., 2010).
De origem grega – karkinos – a expressão câncer é sinônimo de doença
causadora de grande sofrimento, tendo, muitas vezes, seu nome
omitido ou substituído por “aquela doença”.
Câncer é sinônimo de tumor maligno e resulta da proliferação celular
atípica, incessante, descontrolada, propensa à invasão direta dos
tecidos vizinhos e à metástase, ou seja, se disseminar a distancia
por meio das circulações sanguíneas e linfáticas (CORDEIRO; STABENOW,
2008).
A doença oncológica tem ainda a capacidade de ressurgir após
tentativas de extirpação, recidiva, e seu curso natural trás
prejuízos para qualidade de vida até cessar a vida dos portadores.
A cirurgia de cabeça e pescoço se define como um ramo especial da
cirurgia geral, focado no tratamento de tumores (malignos e
benignos) situados ou originados na superfície e profundidade do
pescoço, da face e do revestimento do crânio, principalmente pelas
lesões de natureza neoplásica (CORDEIRO; STABENOW, 2008).
Cinco por cento de todos os novos cânceres diagnosticados situam-se
na região de cabeça e pescoço. Predominam no sexo masculino e tem
pico de incidência na sexta década de vida. Entre os fatores causais
destaca-se o tabagismo crônico, potencializado pelo etilismo que
eleva de dez a quinze vezes o risco do câncer (INCA, 2010).
O câncer de cabeça e pescoço e seu tratamento acometem estruturas
que envolvem funções indispensáveis para a integração do indivíduo
ao ambiente fisco e social, exarcebando as reações emocionais
desadaptativas, por conta das alterações faciais, de comunicação e
alimentação, tendo em vista a mudança em uma região de grande função
psicossocial.
Por conta da localização anatômica a doença oncológica pode
acarretar alterações significativas em funções vitais relacionadas à
interação social dos indivíduos afetados, podendo gerar repercussões
psicológicas importantes, tanto para os pacientes afetados quanto
para seus familiares, geralmente levando a algum grau de disfunção
na sua vida diária (VARTANIAN, 2007).
A doença oncológica traz consigo uma potencial ameaça a continuidade
da existência e, portanto, carrega a presença da morte. Remetendo o
individuo a precariedade e os limites da existência.
O câncer suscita no paciente o medo de sentir e morrer com dor,
desfigurado, mutilado, asfixiado, isolado e abandonado, ou seja, o
câncer remete a todo o sofrimento que o adoecimento pode ocasionar.
O paciente com câncer é confrontado com sucessivas mudanças impostas
pelo diagnóstico e pelo tratamento, acompanhado por desapontamentos,
perdas e temores muito significativos, tais como: ameaça da morte
eminente, ansiedade pelas possíveis cirurgias, mudança no desempenho
dos papéis sociais e alterações na configuração corporal (VICKERY,
2003).
Nos pacientes com câncer de cabeça e pescoço os prejuízos
psicossociais são observados e por vezes até mais evidenciados, já
que, como conseqüência dos tratamentos (cirurgia, radioterapia,
quimioterapia), fica imposta a convivência com seqüelas estéticas,
especialmente faciais, mutilações nervosas e musculares, que podem
gerar perdas salivares, presença de sonda nasal e traqueostoma, além
de modificação na fala e na alimentação. Trazendo mudanças em uma
região que tem grande papel social, na expressão emocional e na
comunicação (SANTOS, 2004).
Ao deparar-se com a doença oncológica cada paciente encontrará uma
forma de lidar com a fragilidade e incerteza da continuidade da
existência. O processo de enfrentamento é vivido por cada paciente
de forma peculiar e pode ser alterado em cada etapa da doença. Estas
formas de enfrentar estão relacionadas com as características
pessoais de cada sujeito, como, personalidade, contexto familiar e
social, valores, idade e etapa no ciclo de vida (SANTOS, 2004).
A Psico-oncologia surge a partir do século XX, para oferecer
assistência integral e interdisciplinar para os pacientes e seus
familiares. (Veit e Carvalho, 2008).
As ações em psico-oncologia voltam-se ao impacto do câncer na função
psicológica do paciente, na sua família e nos profissionais de saúde
que cuidam, e ao papel que as variáveis psicológicas e
comportamentais podem ter quanto ao risco de câncer e à sua
sobrevivência (Veit, 2008).
Deste modo, a psico-oncologia trabalha com:
• Assistência ao paciente oncológico, à sua família e aos
profissionais da saúde envolvidos com a prevenção, o tratamento, a
reabilitação e a fase terminal da doença;
• Na pesquisa e no estudo de variáveis psicológicas e sociais
relevantes para a compreensão da incidência do câncer, de sua
recuperação e do tempo de sobrevida após o diagnóstico;
• Na organização de serviços oncológicos que visem ao atendimento
integral do paciente (físico e psicológico), enfatizando a formação
e o aprimoramento dos profissionais de saúde envolvidos nas
diferentes etapas do tratamento
(Veit e Carvalho, 2008).
Desta maneira, o principal trabalho da psicologia com estes
pacientes é de focar a atenção em busca de soluções dos problemas
que já estão ai, ou seja, o câncer e toda a carga física e emocional
que o acompanha, favorecendo o enfrentamento das dificuldades e
buscando a melhora da qualidade de vida.
A atuação da Psicologia acompanha as fases do adoecimento que o
paciente vivencia. Segue:
• Avaliação e acompanhamento psicológico no
pré-operatório
A triagem inicia-se com a equipe médica, que frente a suspeita ou a
confirmação do diagnóstico oncológico encaminha o paciente para a
psicologia, com o objetivo de avaliar o estado emocional geral do
paciente e seu cuidador.
Habitualmente os pacientes chegam para a avaliação em três
condições: pacientes com indicação cirúrgica, tanto de caráter
curativo como de controle da doença, pacientes com indicação de
radioterapia e quimioterapia e pacientes em cuidados paliativos.
São realizados, de três a cinco atendimentos individuais com o
paciente no período pré-operatório, e concomitantemente com o
cuidador, a depender das necessidades observadas e do tempo
disponível até a data do procedimento cirúrgico.
As sessões objetivam a realização de avaliação e de preparo
psicológico para o manejo da situação de adoecimento e da cirurgia,
que geralmente, implica em seqüelas e, por conseqüência, demanda
necessidades de adaptação.
• Consulta pré-cirúrgica
Esta consulta é realizada quando a cirurgia é agendada. Realizada
pela psicologia e a fonoaudiologia, com o objetivo de
instrumentalizar o paciente com informações acerca da internação e
as particularidades do pós-operatório imediato, focando na redução
de reações emocionais desadaptativas.
• Acompanhamento durante a hospitalização
É neste momento que o paciente confronta-se com sua nova
configuração corporal, apresentando reações de ajustamento, tais
como, ansiedade e/ou depressão. As intervenções são de caráter
suportivo e aproximação da realidade. Neste ínterim é verificada a
necessidade ou não da avaliação psiquiátrica, por conta de quadros
pré-existentes ou refratários ao diagnóstico.
• Acompanhamento no pós-operatório tardio
O acompanhamento psicológico no pós-operatório se faz acolhendo o
paciente neste momento angustiante de readaptação e reabilitação.
Busca favorecer a percepção de sua atual condição e propiciar meios
para a mobilização de recursos internos de enfrentamento.
Aproximando-o de suas reais potencialidades e não apenas da mudança
em si.
• Cuidados Paliativos
São pacientes que estão fora de possibilidades terapêuticas
curativas, assim receberão cuidados para o controle dos sintomas
como uma tentativa de melhora da qualidade de vida. As intervenções
são suportivas com o objetivo de oferecer recursos para a elaboração
das perdas funcionais e existenciais do paciente e de seus
familiares.
Daniele Lopes
-
Psicóloga Especialista
em Psicologia Hospitalar. Psicóloga responsável pelo Atendimento dos
Pacientes do Ambulatório de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
E-mail:
dani_lopes_@hotmail.com
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